(Filé no molho de Mostarda)
História
Está na Bíblia. Antes de Cristo, muito antes, a mostarda fazia parte da mesa cotidiana do Levante. Mostarda escura ou mostarda negra, um produto típico da Palestina e dos desertos que conduziam até a África do Norte. No Egito, comumente se misturavam as sementes, apenas quebradas numa pedra, à carne das caças ou das criações caseiras, além delas, porém, também se consumiam as folhas verdes da planta-mãe, absolutamente nuas, no azeite ou cozidas numa infusão de água e sal.
Dentre os gregos e os romanos, com os grãos e o ventre do atum, uma majestade no mar Mediterrâneo, se realizava a Muria, um prato picante, vigoroso e crucial, que os sacerdotes costumavam benzer. A mostarda, afinal, era uma dádiva, mas era, simultaneamente, uma grande praga. Medrava descontroladamente e invadia as plantações de outros verdes, muitas vezes arruinando as colheitas todas. Basta um mero quilo das suas sementes para se obter, em um único acre de terra, aproximadamente 40 mil metros quadrados, uma segunda geração, absurda, gigantesca, monumental, de 1,5 bilhão de grãos em apenas doze meses de espera sem esforços.
De uma família virtuosa, a das crucíferas, a mostarda se distribui por cerca de duzentos gêneros e por mais de duas mil espécies, nenhuma delas tóxica ou venenosa. Além da negra, percorre uma linda coleção de cores, descendo do violeta ao branco, com destaque para o dourado. Graças a essa generosidade, em pleno século 5 já se conheciam, com a mostarda, inúmeras pastas aromatizantes e molhos de acompanhamento. O seu valor era superior ao do sal, que apenas se afirmou na Idade Média.
O papa João XXII, que regeu o catolicismo entre 1316 e 1334, chegou a inventar para um sobrinho o cargo inusitado de “Mostardeiro do Pontífice” provavelmente a mais antiga das mordomias culinárias, Por volta de 1390, tão disseminada estava a sua utilização que os gauleses decidiram regulamentar, através de um édito, a sua ideal preparação, uma mistura dos grãos esmagados com “vinagre de excelente qualidade”. Enfim, em Dijon, na França de 1630, se implantou a primeira linha efetiva para a sua industrialização, em potes de argila espessa.
Apesar da sua pungência, se trata, curiosamente, de um produto delicado e muito frágil. Os grãos, intactos, ainda resistem um longo tempo à intempérie e ao abuso. Na forma de pasta, porém, a mostarda entra facilmente em decomposição com a mudança de temperatura e a passagem da luz. O seu poder se concentra numa substância batizada de mirosina, capaz de reagir, imediatamente, em contato com а água aquecida ou com algum ácido como o vinagre e o sumo de limão. A petulância, no entanto, não dura mais do que uma dezena de minutos. Como manter a vibração em plena fúria?
O mundo deve a solução a um inglês, Jeremiah Colman, que em meados do século 19 descobriu uma infalível formulação. Ao pó dos grãos bem trucidados, ele acrescentou farinha. Ultra resistentes, involuntariamente conservantes nesse caso, os amidos da farinha impuseram à mostarda a durabilidade indispensável. Claro que o casamento esbranquiçava o resultado. Colman, contudo, reacertou a tonalidade com a inserção de curcumã amarelado à alquimia. Eis a sua relação precisa: para cada 50 gramas de pó de mostarda, 20 gramas de farinha refinadíssima e 30 de curcumā.
A partir de Colman, tornou-se comum a invenção de novas composições. A mostarda norte-americana leva água, cerca de 30 gramas, mais a relação do inglês. A mostarda alemã leva especiarias e um toque de caramelo, o que lhe garante o seu aspecto bronzeado. A mostarda atual de Dijon leva um pouco de vinho branco. A mostarda de Meaux leva a pasta e mais uma proporção de 50% de grãos inteiros. Aliás, saiba o leitor que as sementes de mostarda ostentam formidáveis propriedades fungicidas. Por isso é excelente acrescentá-las às conservas e às compotas, mesmo aquelas muito doces.
Alguns franceses querem que o termo derive de moult me tarde, o lema do brasão de armas de um certo comerciante Jean Poissonet, coisa de quatrocentos anos atrás. Bobagem. Provém, na realidade, do latino mustum ardens, que significa, apropriadamente, “mosto ardente ou pasta picante”. De maneira a se preservar, na gastronomia, essa característica fundamental do pitéu, fique aqui determinado que a mostarda, em hipótese alguma, deve ser cozida diretamente numa panela qualquer. A mirosina se esvai com o calor. O método perfeito pede o mero aquecimento no banho-maria e só.
Ingredientes, para uma porção:
1 filé de boi, com cerca de 300g de peso, temperado com sal e pimenta-do-reino. Manteiga. 2/3 de xícara de chá de mostarda forte. 1/3 de xícara de chá de creme de leite.
Modo de fazer:
Tempero a carne com sal e a pimenta-do-reino. Massageio com a manteiga. Deixo que repouse, por três minutos. Numa caçarola de vidro ou porcelana, misturo a mostarda e o creme. Levo ao banho-maria. No momento em que o molho principia a borbulhar, coloco a carne numa grelha ou numa chapa. Retiro, antes do ponto. Incorporo ao molho, sempre no banho-maria. Se necessário, acerto o ponto do sal.
Um molho de mostarda, eu insisto, tem de ser cometido, eternamente, no banho-maria, de maneira a se preservar a personalidade da mirosina. O seu paladar, no entanto, se enriquece com a intromissão de ervas na mistura – preferivelmente o alecrim e o estragão, frescos ou desidratados.